Era o início de uma nova fase para Três Lagoas. A cidade crescia e, com ela, as necessidades da população se tornavam mais urgentes. Foi nesse contexto, nos anos 1980, que surgiram — com força e propósito — as associações de moradores. Espalhadas pelos bairros, essas entidades deram voz à comunidade e promoveram conquistas que ajudaram a moldar o município.
O ex-prefeito Antônio João Campos de Carvalho, que governou Três Lagoas entre 1986 e 1988, relembra como tudo começou. “Nós incentivamos as associações. Havia duas ou três em 1986, me lembro bem da do Jupiá. Eu sempre acreditei que era necessário haver uma voz da comunidade, além da voz política dos vereadores. Nós apoiamos essas associações não apenas istrativamente, mas também com ações práticas para melhorar os bairros.”
Ao final de sua gestão, Três Lagoas contava com cerca de 14 associações de moradores. Foi a partir dessa estrutura que nasceu a UTAM — União Três-Lagoense das Associações de Moradores, uma entidade que integrava as lideranças e levava as pautas da periferia até o centro do poder público.
As associações não se limitavam a reivindicar. Elas promoviam cursos, organizavam eventos, reuniam os vizinhos, articulavam ações com o poder público e construíam soluções. “Era uma política de ação direta, de diálogo e união”, lembra Antônio João. “E muitas lideranças políticas surgiram desse movimento.”
Entre as vozes que marcaram esse período está Maria do Socorro, ex-presidente da associação do bairro Vila Carioca. Ela viveu intensamente a transformação do bairro, quando ainda predominavam os barracos de lona e a água era buscada de carroça. “Sempre gostei de trabalhar com a comunidade, com pessoas menos favorecidas. Foi por isso que assumi a presidência”, conta. Ela lembra com carinho do apoio recebido do poder público, que garantiu cestas básicas, leite de soja, arroz, feijão e dignidade para famílias em extrema vulnerabilidade. “As pessoas não avam fome. Foi uma época muito boa.”
Outra liderança importante daquele período foi Creuza Mantovani, psicóloga e militante comunitária. Ela destaca o esforço coletivo que resultou na criação de mais de 20 associações em Três Lagoas. “Formamos um grupo forte, com lideranças espalhadas por diversos bairros. E vimos a necessidade de unificar tudo isso, então criamos a UTAM.”
As associações também eram presença marcante nas festas da cidade. No Dia do Trabalhador, por exemplo, montavam barracas em eventos realizados onde hoje está o Senai. “Era um momento de integração com sindicatos, artistas e a prefeitura. Havia barracas, artesanato, esportes, música, tudo organizado pelas associações”, lembra Creuza. “Todo mundo junto fica mais forte.”
Com o ar dos anos, no entanto, o movimento comunitário perdeu força. Muitas associações desapareceram e a UTAM se dissolveu. Maria do Socorro lamenta: “Hoje você não vê mais presidente de bairro, não se fala mais em UTAM. Mas talvez, com a vontade certa e o apoio certo, isso possa renascer.”
Apesar do enfraquecimento institucional, o legado permanece, nas ruas asfaltadas, nas redes de água e energia conquistadas, nos cursos que geraram renda, nos líderes que se formaram. Foram anos em que o barracão da associação era mais que uma sede: era refúgio, escola, palco de esperança. Ali, sonhos foram costurados, comunidades se ergueram e a consciência cidadã de Três Lagoas foi construída, tijolo por tijolo.
Hoje, aos 110 anos da cidade, lembrar essa história é mais do que uma homenagem ao ado — é um convite à reflexão. Talvez seja hora de resgatar esse espírito coletivo, porque Três Lagoas só cresce de verdade quando cresce junto com o seu povo.